segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Encruzilhadas

Autora convidada: Ana Carolina Gonçalves

Haviam várias pessoas lá. Várias histórias diferentes que se cruzaram/cruzam/cruzarão. Mas duas me chamaram mais atenção.
 A primeira, uma menina de cabelos ondulados castanhos, na altura do ombro, que usava uma boina vermelha e batom da mesma cor. Ela me lembrava a boneca de porcelana da minha avó. A segunda (ou melhor, o segundo), um menino com mais ou menos 18 anos e cabelos curtos (também castanho claros). Já deve até estar na faculdade. Pelo jeito como observa a estrutura do café, deve ser de exatas.

 A menina estava com algumas amigas e, entre cochichos e risos, ela notou o menino, sozinho, compenetrado demais em um livro para notá-la (ou, até mesmo, seu café, que agora estava frio. Os cachos caíam por cima dos olhos, mas ele não parecia notar. Ela teve vontade de pegar a câmera na bolsa e tirar uma foto dele assim, mas, infelizmente, não o fez. De repente, ele levanta os olhos, como que tivesse sentido que alguém o observava. Bem, havia duas: a menina e eu. Os olhos deles se encontraram por breves cinco segundos e ela abaixou a cabeça. As bochechas vermelhas por ter sido pega no flagra, tanto pelo menino, quanto pelas amigas, que caçoavam dela. O menino abaixa a cabeça também e dá um sorriso tímido, achando graça da reação dela.

 Eu tinha certa inveja deles. Eu não tenho isso na minha vida. Não desde que você se foi. Daqui, sentada em um ponto panorâmico do café, eu podia vê-los sem que os mesmos me notassem. Pedi mais um café, me recostando à poltrona, para voltar a observá-los.

 Alguns minutos e goles depois, o rapaz se levantou e foi ao caixa, para pagar a conta. As amigas da menina a empurraram quando o mesmo passou pela mesa delas.

 Ela ficou de pé, mas não o seguiu. Quando ele passou pela minha mesa, um papel caiu de dentro do seu livro. Uma corrente de ar o empurrou para a porta. Graças a Deus (ou ao vento), ela o viu e correu para segurar a porta.

 -Espera! -A voz suave dela percorreu todo o café. Ele se virou e ela se abaixou para pegar o papel no chão, sem nunca tirar os olhos dos dele. -Aqui. -Ela o entregou e suas mãos se tocaram. Ele observou os fios que caíam no rosto dela e, instantaneamente, quis ajeitá-los.

 -Obrigado. -A voz grave dele a deixou arrepiada e ela se pegou pensando como seria seu nome saindo de sua boca.

 Ele pegou o papel e o colocou dentro do livro. O rosto dela se iluminou quando leu o título.

 -Você gosta de Pedro Bandeira? -Ele perguntou sorrindo. Ela sorriu de volta e disse:

 -E você também gosta de Simple Minds. -Ela apontou para sua camisa. Ele riu e ofereceu o braço para ela:

 -Quer ir dar uma volta? -Ela fez sinal para que ele a esperasse e foi até a mesa, para pegar sua bolsa. As amigas riam e faziam sinais de "parabéns" ou "isso aí". Ele percebeu e riu. Ela voltou e entrelaçou seu braço no dele. Eles seguiram pela porta.

 Ninguém -exceto eu- sabia, mas, mais tarde eles tirariam uma foto na Polaroid dela e, mais tarde ainda, eles ficariam noivos e cinco anos depois eles teriam uma filha.

 Você não acreditava em destino àquela época. Eu, ao contrário, era quase uma devota dele. Se alguém me dissesse que eu um dia casaria com alguém da faculdade de exatas, eu diria que essa pessoa era maluca e sairia andando.

 Agora, quase dezesseis anos depois, olho para aquela nossa foto na banca de sorvete. Seu rosto sujo e a minha camisa também.

 -Oi, mãe.  -Ela entra em casa, tirando os fones de ouvido e me dando um beijo na cabeça. Eu a observo e  vejo o menino do café em seus olhos.


Nenhum comentário:

Postar um comentário