segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Torpor

Quando abro a porta e adentro o apartamento – minúsculo, com apenas dois cômodos, escuro e quase vazio – o que sinto não é exatamente alívio. Está mais para um pesar; ter que voltar todas as noites para esse lugar onde os pesadelos me cercam e não me deixam dormir.
E aqui tem tanto de você. Mesmo que você já tenha ido há tanto tempo e levado todas as suas coisas contigo. É que ainda posso te ver se encolhendo na poltrona, deixando os cabelos caírem sobre o rosto, fingindo estar dormindo só para que eu te pegue no colo para colocá-la na cama.
É. Também não entendo como fui capaz de te abandonar.
Dou alguns passos e depois me jogo sobre a cama. Suspirando, passo as mãos sobre o colchão áspero, frustrado por, mais uma vez, ter esquecido de colocar uma roupa de cama nova. De certa forma, não faz diferença, já que a cama não é mesmo mais tão confortável quanto antes. Não é mais o lugar para onde quero correr quando chego cansado depois de um dia longo. E agora, só luto para continuar acordado, torcendo para que você não venha perturbar os meus pensamentos durante a madrugada.
Pego um baseado do bolso – o mesmo que enrolei enquanto esperava o trem, mas que não tive tempo de acender. Havia chegado na hora dessa vez, em vez de se atrasar dez minutos como sempre fazia. Com os dedos trêmulos, contorno o papel seda, umedecendo os lábios rachados. Quando seu sorriso surge mais uma vez em minha mente, não hesito em pegar o isqueiro.
Seu rosto faz com que eu lembre dos meus erros. Decepcionar-te foi o pior de todos e o que mais me arrependo.
Tudo parece sem sentindo agora.
A maconha pode não ter o mais agradável dos aromas afrodisíacos, mas pelo menos encobre o fedor de comida podre largada embaixo da cama. Sinto falta dos incensos que acendia para disfarçar o cheiro de mofo que tanto te irritava – os incensos que tanto me incomodavam e sobre os quais eu estava sempre reclamando. 
Com o efeito da erva sinto minha cabeça levitar e os músculos, sempre tão tensos, relaxarem. Os tremores das mãos somem e o buraco em meu peito parece ser tapado – é apenas uma solução provisória, é verdade. Mas o alívio que sinto com isso já é o suficiente. Pelo menos, por enquanto.

Quem dera eu pudesse viver assim, entorpecido, longe da realidade. Na verdade, eu poderia simplesmente desaparecer. Trancar-me nesse apartamento, apagar as luzes, sumir das vistas de todos. Uma hora a erva acabaria e, então, eu deixaria o peso da culpa me esmagar até que eu não pudesse mais respirar. No entanto, ainda estou aqui, esperando por uma razão para continuar; esperando que um dia você me perdoe, mesmo sabendo que estou longe de ser o melhor para você. E que te deixei mesmo dizendo que nunca o faria.


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